qua, 05 de maio de 2010
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Contribuições da Associação Nacional dos Procuradores Municipais ao Projeto de Reforma do Código de Processo Civil

*Documento encaminhado ao conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil e à Comissão de Notáveis nomeada pelo Senado Federal

Ao encaminhar essas contribuições, deixamos claro nosso compromisso com a instrumentalização do processo para que se transforme efetivamente em um mecanismo de afirmação dos direitos e de promoção da paz social.

O cenário favorável ao país somente tem um grande entrave à construção de uma realidade melhor: a falta de justiça. A impunidade, a irresponsabilidade, a prevalência de interesses escusos em detrimento dos interesses do direito é a mazela que, em nosso país, está na raiz tanto da criminalidade (comum e sofisticada), quanto da incivilidade jurídica e política.

Assim, não nos limitamos a analisar as possibilidades de reforma apenas pela ótica dos interesses da categoria dos Procuradores Municipais (representantes judiciais dos entes federados), mas como diretamente interessados na efetivação do papel do processo no direito e do direito na sociedade, com a certeza de que atuamos positivamente para que esses fins sejam atingidos.

I - Aspectos conceituais

O Brasil vem alterando o plano de sua normatividade para ampliar e aprofundar os efeitos das decisões judiciais e, sobretudo, da jurisprudência por meio da adoção de institutos típicos dos países anglo-saxões (case law). A norma escrita editada pelo legislador perde força à luz das teorias que reforçam a abertura dos textos normativos, até mesmo daqueles que pareçam seguros e claros em sua redação, abrindo espaço para a interpretação judicial dos seus efeitos.

As alterações também foram procedidas por meio de emendas constitucionais que ampliaram ou reforçaram o poder normativo das decisões judiciais, conferindo-lhe vinculatividade ampla de índole antes reservada aos atos legislativos positivos típicos.

Este movimento recebe algumas alcunhas, tais como ativismo judicial ou judicialização de política e da economia. Mas o fato é que há uma ampla modificação do equilíbrio entre os Poderes constituídos no Brasil.

Estas mudanças sofrem a crítica do déficit democrático da institucionalização da nomogênese estatal em órgãos não compostos por representantes eleitos.

Os Tribunais brasileiros vêm tentando superar a alegada falta de legitimação para exercer atividade normativa positiva mediante, v.g., a abertura da participação no processo, com a realização de audiências púbicas e a pluralização subjetiva das partes e interessados processuais por meio de figuras também novas, como o amicus curiae.

É fato também que estas mudanças foram secundadas por algumas modificações das leis processuais, mas ainda há amplas e graves omissões nas previsões acerca:

1) da regulação dos procedimentos para adoção de decisões que geram vinculação ou efeitos panprocessuais, e sua superação (v.g. Overruling); bem como

2) da regulação dos efeitos das mesmas, inclusive sanções, e ainda (efeitos executivos, celeridade);

3) dos instrumentos para disciplina de relações havidas sob égide de normas ou atos considerados nulos (v.g. EUA - fall back provisions).

A construção destes mecanismos vem sendo feita lentamente pelos Tribunais brasileiros, sem a prévia discussão democrática no âmbito do Poder Legislativo. Contudo, a consolidação dos novos instrumentos e de um novo sistema jurisdicional (híbrido, agora) poderá levara 20 (vinte) anos.

Esta lentidão gera profunda insegurança jurídica para a sociedade, mas, sobretudo, para os agentes econômicos, cujas decisões de investimento e desenvolvimento de suas atividades no país mira um cenário de grande incerteza.

Assim, parece conveniente que a reforma do CPC, atualmente em curso de estudo e discussão, deva implementar no Brasil instrumentos adequados à tradução destes instrumentos típicos do case law, atento à realidade formalista tradicional do direito escrito de origem européia continental, buscando sua harmonização.

Proposições quanto a este tema:

1. Transparência das Decisões Judiciais.

a) Necessidade de análise de todos os fundamentos ventilados pelas partes. A questão da fixação e superação de precedentes judiciais.

Art. ___ O juiz e os órgãos colegiados serão obrigados a conhecer e a apreciar todos os fundamentos de fato e de direito apresentados pelas partes, quando proferirem decisão de mérito, ainda que interlocutória.

Parágrafo 1º As peças processuais que citem jurisprudência, assim como as decisões judiciais proferidas com esse conteúdo, devem conter confrontação analítica dos julgados com o caso em julgamento.

Observações: Não é raro, especialmente em Primeiro Grau, encontrarmos extensas citações de jurisprudências seja nas petições iniciais e contestações, aos pareceres Ministeriais e decisões judiciais. Inúmeras vezes citações sem muita pertinência objetiva com o litígio examinado. Isso quando a jurisprudência referida de fato não acaba infirmando o conteúdo da petição, parecer ou decisão judicial. A medida racionaliza a redação jurídica, especialmente tornando-a mais objetiva, menos extensa, e mais afinada ao caso concreto. Nesse caso especial, inclusive, fazendo juntar cópia integral do julgado ou da ementa citados.

Parágrafo 2º. O conhecimento e reapreciação de matéria já decidida pelo Poder Judiciário com efeitos vinculantes ou panprocessuais só poderá ser realizada se apontados pela parte os novos fundamentos que, não apreciados nos julgamentos anteriores ou que tenham sofrido mutação em sua compreensão axiológica ou normativa, levem a nova e suficiente fundamentação para superação do precedente.

2. Efeitos das Decisões que Declaram Inconstitucionalidade.

Art. ___ As decisões do Supremo Tribunal Federal que declarem em definitivo a nulidade de norma ou ato em face da Constituição, com efeitos “ex tunc”, deverão fixar prazo de no máximo 90 (noventa) dias para que o Poder Legislativo correspondente discipline as relações jurídicas surgidas sob a vigência da norma ou ato inconstitucional.

II – Sugestões gerais:

É preciso modificar a relação do processo com a verdade, sua busca e a responsabilidade por produzi-la.

a) INSTRUÇÃO: De início, propor a adoção da teoria das cargas probatórias dinâmicas com a disciplina rigorosa do dever do Juiz de distribuir, antes de iniciada a instrução, o ônus. Se não for possível, devemos ter opções alternativas para o tratamento da instrução.

b) OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA: No mesmo sentido, a obstrução da justiça e da verdade deve receber tratamento mais rigoroso, inclusive em relação as partes, testemunhas, patronos e auxiliares do Juiz, com modificações inclusive no apenamento de atos contrários à efetividade da Justiça.

A ampliação dos poderes do juiz deve corresponder a um aumento de sua responsabilidade sobre o processo e sobre os atos praticados, inclusive no apenamento antes referido.

Notadamente no ingresso da decisão sobre os critérios decisórios e de escola em políticas públicas não mais há como prevalecer em toda sua amplitude clássica o Princípio da Irresponsabilidade Pessoal do Magistrado.

c) POLÍTICAS PÚBLICAS E DEMOCRATIZAÇÃO DA JUSTIÇA: É oportuno positivar uma disciplina para a crescente criação judicial do direito, especialmente para obter critérios de sua legitimação democrática.

Ações para a “judicialização de políticas públicas”, ou similares, devem ser submetidas a audiências públicas, consulta a peritos e experts na condição de “pares” ao Magistrado, e não de meros coadjuvantes, e outros instrumentos de abertura democrática para a legitimação da decisão judicial.

Devemos combater o isolamento do juiz em diversas questões que pela natureza de seus conhecimentos ou da própria questão se revelam inadequadas para a decisão meramente judicial, como, por exemplo, em questões como as de família (guarda de menores), ambientais, de políticas públicas, de avaliação de periculosidade (exemplo que, apesar de criminal, ilustra o argumento).

É o momento de abrir a discussão sobre a interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas, pelo menos para submeter a um procedimento legitimador e claro.

d) PROCEDIMENTO DE CARGA DOS AUTOS: é preciso desburocratizar o ato de carga de autos do processo tornando possível sua realização, em cartório ou fora de cartório, seja por advogados, estagiários inscritos junto à OAB (estágio profissional), estagiários não-inscritos, desde que acadêmicos de direito (estágio acadêmico), ou pessoas autorizadas por escrito pelo advogado dentre empregados do escritório. Por exemplo:

I. Fora de cartório por advogado ou estagiário devidamente inscritos junto à Ordem dos Advogados do Brasil, constantes de procuração ou substabelecimento;

II. Para efeito de cópia, por advogado ou estagiário devidamente inscritos junto à Ordem dos Advogados do Brasil, constantes de procuração ou substabelecimento, por pessoa maior autorizada pelo advogado da causa mediante petição.

O advogado poderá autorizar pessoa de sua confiança, mediante petição diretamente ao escrivão do Cartório ou diretor de Câmara, onde constem:

a) Endereços físico e eletrônico e telefone do escritório;

b) O tipo de vínculo do autorizado com o escritório;

c) A autorização expressa para a carga dos autos fora de cartório, constando da petição a indicação do processo específico e nome das partes;

d) A declaração de ciência de toda decisão constante dos autos, para efeito de eventuais prazos recursais.

A petição referida será protocolizada no próprio cartório ou turma, sendo endereçada ao escrivão ou diretor de câmara ou turma, que a manterá em cartório até devolução do processo, quando a inserirá nos autos.

A carga dos autos será certifica, com data e hora, valendo a certidão para comprovação de tempestividade recursal.

A questão da limitação da carga fora de cartório apenas a advogados ou estagiários inscritos na OAB tem se tornado uma questão anacrônica, acarretando um efeito pernicioso. Muitos advogados em início de carreira e inúmeros estagiários têm-se transformados em simples burocratas de carga de processo. A questão defere um mínimo de confiança necessária à equipe do advogado, que com ele trabalha, permitindo-se a carga a pessoa maior, de confiança do advogado, mediante autorização que individualize a carga a ser realizada. Tal documento será retido em cartório, para, em caso de não devolução dos autos, ser requisitada busca e apreensão.

e) REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DOS ENTES PÚBLICOS: as prerrogativas processuais da fazenda pública só devem ser aplicados quando representada por membro de sua advocacia de estado ocupante de cargos de provimento efetivo.

Deve caber à parte interessada, ao Ministério Público ou mesmo de ofício a impugnação da condição de não-procurador-efetivo.

A Fazenda Pública, enquanto não tiver ônus, continuará substituindo sua advocacia de estado por ocupantes de cargo de provimento em comissão. É preciso implicar em sanção processual contra esse verdadeiro atentado à Constituição. O mesmo se diga de algumas defensorias que ainda não implantam concursos.

O defensor dativo não tem os prazos privilegiados da defensoria:

AgRg no Agravo De Instrumento Nº 693.712 - SP (2005/0118215-7)

RELATOR : MIN. HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE)

AGRAVANTE : ROBERTO PENA (PRESO)

ADVOGADO : CARLOS EDUARDO BOIÇA MARCONDES DE MOURA -DEFENSOR DATIVO E OUTRO

AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO INTERPOSTO VIA POSTAL. PROTOCOLO NO TRIBUNAL DE ORIGEM APÓS O PRAZO LEGAL. INTEMPESTIVIDADE. DEFENSOR DATIVO. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A tempestividade de recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da Secretaria do Tribunal de origem e não pela data de sua postagem no correio, tampouco da data do respectivo aviso de recebimento.

2. Pacífico o entendimento desta Corte de que a prerrogativa de prazo em dobro concedida ao defensor público não se estende ao defensor dativo, que não integra o serviço estatal de assistência judiciária.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

A mesma regra deve valer para toda a advocacia pública. Ou a representação ocorre por advogados públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo (procuradores, defensores públicos, etc.), ou as soluções paliativas não terão as prerrogativas processuais.

f) CONTAGEM DOS PRAZOS: Os prazos processuais devem se contar em dias úteis. A Fazenda Pública, a Defensoria Pública, e litisconsortes com procuradores distintos, terão prazo em dobro para falar nos autos (seja para contestação, recursos, contra-razões, memoriais, ou seja, em qualquer atuação nos autos). Os prazos para defesa e recursos não podem ser inferiores a 15 dias, mantendo-se integralmente o atual art. 188 do CPC.

Qualquer disposição em contrário pode prejudicar a ampla defesa e o contraditório à Fazenda Pública. A estrutura necessariamente burocrática do poder público não permite diminuição desses prazos, sob pena de não se garantir a correta e efetiva atuação judicial, comprometendo o interesse público envolvido.

g) UNIFICAR A REGRA dos prazos da Fazenda Pública e da Defensoria Pública. Ou se adota categórica e expressamente que o prazo decorre da publicação, ou da intimação pessoal ou da carga dos autos. O que não pode ocorrer é a subsistência de regimes diferenciados por “convenção”.

h) CITAÇÃO PESSOAL - Preservação do art. 222, c - citação pessoal da fazenda pública. Garantia da ampla defesa e contraditório, objetivando o interesse público.

i) EXECUÇÃO - Manutenção da execução contra a Fazenda Pública - art. 730. É a garantia de prazo razoável de defesa para a fazenda pública, ante a necessária burocracia da máquina, além do grande volume de demandas a serem analisadas administrativamente. Muitas vezes os cálculos apresentados demandam análise complexa e pormenorizada.

j) HONORÁRIOS - Manutenção do art. 20, parágrafo 4º, nas causas em que vencida a Fazenda Pública, com apreciação equitativa na fixação, sem percentual fixo, sob pena de condenação honorária em valores excessivamente altos em determinadas causas, como as tributárias e repetitivas (de massa), em prejuízo ao erário.

k) CUSTAS - Manutenção do art. 27, em virtude da inviabilidade prática para antecipação de custas pelo poder público, bem como do art. 511, parágrafo 1º, pelo mesmo motivo.

l) OFICIAIS AD HOC - Autorização ao Poder Público de cumprimento de mandatos com Oficiais Ad Hoc, cedidos aos Juízos da Fazenda Pública, especialmente diante da realidade das execuções fiscais, o que vem em benefício da sociedade em geral, com a geração de receitas.

Com essas observações, pugnamos pela manutenção de várias prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo, mas apenas daquelas que visem diretamente permitir uma melhor prestação da justiça, como prazos privilegiados, duplo grau obrigatório, restrição à medidas de cognição sumária contra a Fazenda Pública, entre outras citadas.

Com as sugestões aqui constantes, possuímos a convicção de contribuir para o aprimoramento de nossas atividades e da prestação jurisdicional.

O ato do Procurador no processo é ato de Estado (Supremo Tribunal Federal) e que, nesta qualidade, já tem responsabilidade objetiva pelo mesmo.

Assim, com essas contribuições, levantamos também a bandeira de uma litigância responsável do Estado, ao passo que esperamos uma eficaz e efetiva reforma da legislação processual civil em vigor.

Cristiane da Costa Nery

Presidente da ANPM

Luis Henrique Alóchio

Coordenador da Comissão Novo CPC

Francisco Bertino de Carvalho

Antônio Guilherme Rodrigues de Oliveira

Ricardo Almeida

Maurício Hiroyuki Sato

Joaquim Mariano da Silva Neto

Integrantes da Comissão Novo CPC

Referências: ANPM
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