seg, 25 de setembro de 2017
Compartilhe:

Cristiane Nery, procuradora de Porto Alegre (RS), conselheira da OAB e ex-presidente da ANPM, deu entrevista ao programa “Bom Dia”, da Rádio Guaíba, sobre o impacto negativo nos municípios da Reforma Tributária em debate no Congresso. Leia abaixo:


Pergunta – Pela Reforma Tributária, as prefeituras, que já são as primas pobres de tudo que se arrecada no País, ainda vão perder o ISS. É isso mesmo?


Cristiane Nery – Na verdade foi apresentado um texto preliminar a respeito da Reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional. A proposta, apresentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly, extingue o ISS. E não há nenhum tributo que compense o ISS para os municípios.


O ISS não vai deixar de existir – isso é importante que se esclareça. Ele vai ser agregado ao imposto chamado IVA (Valor Agregado), a ser cobrado pelo Estado. Na verdade, há uma transferência do ISS para a cobrança dos estados com repasse posterior aos municípios. Mas, o que é grave nessa situação?  Os municípios já possuem o maior número de demandas para atender a população. É onde nós vivemos, é onde os serviços básicos devem ser prestados. E cada vez mais se vê o município refém de repasses, sem investir em estrutura própria, sem conseguir arrecadar mais corretamente seus impostos.


Esse texto preliminar apresentado, a meu ver, ao ver dos vários colegas que estão debatendo a Reforma Tributária no País, ele retira a autonomia dos municípios e retira a capacidade do município em investir em serviços públicos, em poder prestar serviços públicos de maior qualidade à população, sendo que o contribuinte vai continuar pagando o imposto, vai transferir esse pagamento ao estado, que vai repassar ao município.


P - Cada vez mais, quando se pensa que a Federação poderia ser o ideal – vamos dar o exemplo dos Estados Unidos, onde os municípios têm muita autonomia -, cada vez mais se fala em reforma; em vez de devolver impostos ao município, eles tiram. Vou dar um exemplo.  Há muito anos, eu trabalhava na prefeitura de Viamão, e o Imposto Territorial Rural era um imposto municipal. E ele estava rigorosamente em dia, porque, sendo no município, nós conhecíamos quem eram os maiores proprietários de terra. E, quando chegava a época de cobrar – às vezes a Prefeitura estava com dificuldades –, a gente mesmo ligava ou mandava um recado: “Olha o seu imposto.  O senhor não vem pagar?”. E eles iam pagar. Hoje, me dizem que a dívida do ITR com a União vai a R$ 50 bilhões, porque o grande proprietário não paga, não tem quem cobre, não tem fiscal...E esse imposto já foi municipal. Agora querem tirar mais um.


Cristiane Nery – Exatamente. Há vários fatores a considerar. O ISS é um dos tributos que mais arrecada pelos municípios. As capitais sentirão enormemente isso. Outra questão: obviamente que ele é um tributo cobrado por outro ente da Federação para ser repassado aos municípios, ele não vai ser priorizado como o município priorizaria sua cobrança, como conhece para poder cobrar. Além disso, nessa Reforma Tributária, o que se vê é uma condução pela União. É a União aumentando o seu bolo tributário. Cada vez mais o Pacto Federativo não é respeitado. O que eu sustento é: primeiro, antes de uma Reforma Tributária - que não pense efetivamente em justiça tributária, e acabar com a sonegação no País e fazer com neutralidade essa distribuição dos tributos a serem cobrados – é de uma Reforma Política, de uma revisão do Pacto Federativo. Porque a garantia da autonomia que está na Constituição, aos municípios, ele não é respeitada. 


Nós temos mais de 5.500 municípios brasileiros que precisar dar conta de suas demandas à população. E, além disso, o tamanho do Estado, que não é discutido com seriedade, para que a gente possa ter uma prestação de serviço adequado.  Para que a gente possa ter um Estado efetivo para a população. Então, a retirada de um imposto que é tão importante para os municípios, sem discutir essas questões que são mais sérias, ele só vai trazer mais problemas para as finanças públicas municipais e maior problema para as pessoas que precisam dos serviços básicos - que é o município que presta. São vários fatores que a população tem que estar atenta na questão da Reforma Tributária, porque ela reflete em sua vida cotidiana.


– Os defensores da Reforma Tributária estão argumentando que vai ficar muito melhor para o município, que a distribuição do bolo tributário vai ser muito melhor equalizada. Nesse momento não é o que o município está vendo. 


Cristiane Nery - Há muitos municípios pequenos que não possuem hoje uma estrutura forte de cobrança e organização do ISS. Talvez, para aqueles municípios pequenos, esse repasse para o Estado cobrar e depois repassar ao município pode ser benéfico no primeiro momento. O que nós vemos – e isso é evidente – é uma perda de autonomia municipal. O que vai continuar acontecendo são os prefeitos sempre mendigando valores em Brasília e cada dia mais reféns de repasses. A autonomia administrativa do município não vai existir sem autonomia financeira.   Claro, é um texto preliminar [do deputado Luiz Carlos Hauly], mas nós temos que debater isso. Até que ponto isso é importante? E, para os municípios maiores, que possuem uma cobrança efetiva de ISS, que possuem serviços já estruturados com base nesse imposto, certamente isso vai ter uma repercussão negativa.



P – De tudo que se arrecada no município, voltam 17%.   

 

Cristiane Nery – Voltam 18%. E quem tem de prestar serviço à população?


P – Hoje, o município está reduzido a três receitas: o IPTU, o ISS e o ITBI.  


Cristiane Nery – E vai ficar com dois de acordo com o texto preliminar.  Temos que rever nosso Pacto Federativo. Cada vez mais cresce o número de demandas das prefeituras. Uma hora vai ficar impossível se ficarmos dependendo apenas de repasses. E essa reforma, no formato em que ela está sendo pensada, ela está sendo conduzida pela União. E sem respeito à autonomia municipal. É o único ente da federação que tem um de seus impostos extintos sem uma compensação.

Compartilhe:

• Categorias

Vantagens de ser associado

A ANPM luta pelo aperfeiçoamento da gestão pública municipal e para a valorização profissional dos procuradores. Por isso, associar-se a ANPM é fundamental para todo procurador municipal.

Quero ser um associado